Eu te amo meu irmão
Quando eu era adolescente comecei com essa mania de criar historinhas a toda hora. Bastava acontecer alguma coisa e lá estava eu inventando uma história. Tinha dois companheiros inseparáveis nessas aventuras engraçadas: Dé e Nano. Dois irmãos que me acompanhavam nesse mundo que misturava fantasia e realidade. Vou contar para vocês um desses acontecimentos.
Por volta e 1986, Bié o cara, o marginal, o perigoso de Santa Luzia do Norte fora assassinado a tiros.
Eu, Dé e Nano resolvemos ir ao velório da figura. Era uma casinha pequena (essa foi massa hein). Estava lotada. A família do cara era grande e havia alguns curiosos. Nós estávamos lá apenas para passar o tempo mesmo e, quem sabe não acontecia algo de interessante no velório do cara mais perigoso da cidade.
Lembro que o Dé disse:
- É. Balearam o infeliz mesmo.
Pode parecer doentio, mas nos entreolhamos e, um sorriso assim meio que de canto de boca surgiu no ar.
O velório seguia e o clima variava de um silêncio profundo a alguns cochichos e nada acontecia. Não entendia porque tanta demora em enterrar o cara. De repente o Nano chega pra mim e diz:
- Estão esperando uma irmã dele que vai chegar, estão dizendo que é uma mulher rica e muito educada, discreta e outras coisas lá.
- Ah tá.
Pobre é triste, até numa hora dessas fica se gabando de um parente rico que nunca dar valor a ele.
- Vamos dar uma última olhada nessa coisa e vamos embora. Eu disse.
Ficamos mais um pouco na janela da casa, tínhamos uma visão privilegiada da sala, do caixão que estava com a tampa aberta e de alguns familiares. De repente no meio daquele silencio surge um assovio. Não nos contivemos, era engraçado demais:
- Cara quem é que tá assoviando nega do cabelo duro num velório hein bicho? rs rs rs
- Sei lá veio! rs rs rs
Uma irmã do defunto sai fazendo o maior escândalo.
- Quem peste ta fazendo uma desfeita dessas?
- Bié meu irmão perdoe essa infeliz.
Claro, não podíamos perde a chance de fazer uma piada, mesmo que entre a gente.
- Quem o Bié? É mais fácil ele sair do caixão e dançar rs rs rs
- Já viu uma alma sebosa dessas poder perdoar ninguém rs rs rs
- E agora virou santo foi? rs rs rs
Foi um momento constrangedor para todos, menos pra gente que tava morrendo de rir com a situação.
A coisa toda volta ao normal, pelo menos para um velório. De repente uma irmã toda descabelada entra na sala e diz:
- Minha gente ajeita ele que a Neuza chegou.
Neuza, a irmã rica e podre de chique. Estava sempre nas colunas sociais da época, pessoa fina, dessas que só mostram emoção pelos cantos dos olhos, muito discreta. Pelo menos era do que se gabava à família.
Quando Neuza adentrou pela porta da sala, todos pararam para olhá-la, inclusive nós. E a surpresa foi geral. Neuza num arroubo descontrolado de emoção gritou:
- Biiééé meu irmão o que fizeram com você, meu querido?
- Você não merecia isso, uma pessoa boa, uma alma pura.
A Neuza pelo visto não conhecia a peça.
- Ô meu Deus que desgraça, Biiiiéééé
- Me leve com você, me leve com você meu irmão.
- Uma pessoa tão boa, eu te amo Biiiiééé
Nisso a Neuza correu pra cima do caixão e agarrou com tanta força que a base de sustentação não agüentou e rompeu. A Neuza desesperada se agarrou no caixão para não deixá-lo cair, esforço esse que foi em vão. O caixão virou por cima dela. O defunto e o caixão ficaram por cima da Neuza que esperneava e gritava:
- Bié meu irmão eu tava brincando quando pedi pra você me levar
- Tirem esse peste de cima de mim
- Sai daqui defunto catinguento
- Soooocccoooorrrrroooooo!!!!!!!
D. Fernando
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